sábado, 24 de abril de 2010

<< A Seta e o Alvo >>

Conheci Carlinhos no shopping. Era sábado, combinamos de almoçar, eu e as meninas, vindas de todos os lados da cidade, cada uma saída de uma atividade diferente: uma da academia, outra dos livros de medicina, outra do salão, eu de uma manhã de trabalho, mas todas com um desejo intenso de falar e comer – tudo o que passasse pela frente! Eis que Carlinhos passou, com o pai, estavam procurando um presente, acho. Quando minha amiga extraordinária gritou seu nome e correu para falar com ele, com braços abertos, o coitado tinha aquela expressão de assombro que os homens tímidos fazem quando são destacados na multidão. Usava uma bermuda longa, camisa vermelha, tênis e meia. Segundo ela, homem que usa meia é tudo de bom. Denota cuidado, asseio. Agora a gente vive caçando homens de meia. Um parêntese cabe aqui: não é em todo o momento que um homem de meia atrai. Pense em um homem nu, deitado na cama de um motel, usando meias? E se as meias forem pretas e finas? E se além de pretas e finas elas estiverem esticadas até o meio da canela? Enfim, Carlinhos estava de meias, brancas, e tênis, tudo muito adequado. E usava óculos de grau! Ah, homem que usa óculos de grau é que é tudo de bom! Dá um charme especial, um ar de reserva, mistério, super-homem disfarçado de Clarck Kent. Era a cara do ator da novela das oito! De óculos de grau, meia, e olhou para mim! Como assim olhou para mim? Estava toda descabelada, tinha acordado às seis horas da manhã, hora também que me olhei pelo espelho pela última vez! E essa camisa, pra que vesti essa camisa! Justo hoje que um cara de meia e óculos de grau, que de quebra se parece com o ator da novela das oito, olha para mim! Ele deve estar pensando “que roupa esquisita para usar no sábado”, ou pior “será que ela trabalha no estacionamento?”. Ai, que ódio! Ainda bem que prendi o cabelo. Imagine se alem de estar com essa camisa, no shopping, sábado a tarde, estivesse com o cabelo solto? Aí ele pensaria “preciso chamar o segurança”. Não me aproximei, falei de longe “olá”, e ele “oi”. Pronto, foi só. Ele continuou a falar com minha amiga, e ela combinando para irmos todos para a boate a noite, e eu fingindo que estava louca por um cafezinho – nem bebo cafezinho! – me virei para a moça da lanchonete e pedi “um café, com creme” – odeio café com creme, mas acho chique, podia também desfazer a imagem de recepcionista do estacionamento. Tive que tomar o café todo, enquanto ela terminava de combinar horário, local, tudo certinho. Carlinhos deu um tchau geral para todas, chamou o pai, que estava escorado no balcão da lanchonete, provavelmente olhando enquanto eu fazia caretas, querendo vomitar, para tomar aquele café com creme, e foram embora. Ufa! Agora é pensar qual roupa usar a noite. Resolvi usar um jeans e uma blusa beringela, cor vibrante, na moda, bem diferente da camisa branca; uma sandália alta, preta, completou o look. Faltava o cabelo, o que fazer com esse cabelo? Prender. Ficava séria de cabelos presos, e assim ele me reconheceria mais rápido: a mulher do café com creme. E de camisa branca, ai! Esquece isso. Quando chegamos ele já estava lá. E foi como sonhei; de repente estava de mãos dadas com o homem que era a cara do ator da novela das oito! Que delícia! Toda a estratégia de conquista funcionou: me aproximei lentamente, como se não estivesse interessada – “você chegou cedo”, “foi”, “quer beber alguma coisa?”, “peguei uma cerveja agora, mas vou com você até o bar”. Pronto, bom começo levará a um final feliz. Nem tanto. Dançamos, bebemos, nos beijamos, bebemos, comemos, bebemos, e eu vomitei. Vomitei! No meio da boate eu vo-mi-tei! E ele me deu água, que fofo! Olhava para ele e via o cara da novela das oito, de óculos e grau, e de meia! Pedi que ele levantasse a calça para ver se usava meia, e ele estava de meia. Que fofo! Carlinhos me levou para casa, não antes de rodar quatro vezes em volta do quarteirão, a meu pedido, para exalar a bebida que ainda se movia em minha corrente sanguínea. Esperou que eu entrasse e foi embora. Acho que me beijou, no rosto. Queria morrer no dia seguinte! Consegui paquerar o cara da novela das oito e estragar tudo. A surpresa veio no meio da semana. Ele me ligou e saímos novamente, e novamente, e comecei a namorar com o cara da novela. Namoramos por cinco meses. Descobri que Carlinhos não era a perfeição só porque usava meia e óculos de grau. Nossa música era “A seta e o alvo”: eu falo de amor a vida, você de medo da morte / eu falo de ..., você de azar ou sorte”.... Acabou, mas rendeu um texto divertido que regato agora após alguns anos escondido entre meus escritos-desabafos que sempre me divertem.
Por Paulinho Moska, de onde veio minha inspiração: http://www.youtube.com/watch?v=nxhzmCUvkcU

Um comentário:

  1. Como "quase" madrinha que sempre fui, acho divertido ver a história extraordinária contada do outro lado. Que romântica você está me saindo...
    Sério: ser meio-cego, e por isso necessitar de óculos de grau e ainda usar meias brancas, bem, creio que são realmente 'quesitos' OBRIGATÓRIOS!!! Homens de fé, homens simples, heterosexuais, uau, tudo isso nos faz muita falta em tempos de Rick Martin assumindo em rede a sua preferência, orientação,a sua viadagem mesmo...aff!!! Restam apenas memórias de outros tempos...hoje muito mais fantas que coca-colas...um fato.

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